domingo, 23 de agosto de 2015

Coronelismo e Oligarquias: 1889 - 1943 (A Bahia na primeira República brasileira)

Coronelismo e Oligarquias: 1889 – 1943 (A Bahia na primeira República brasileira), do coreano Eul-Soo Pang, Professor da Vanderbilt University, Estados Unidos. (o autor manipulou numerosos documentos descobertos, inventariados e analisados, com um forte rigor metodológico).
(p.54)...
O Padre Cícero Romão Batista, como um santo, começou a atrair uma multidão de sertanejos no início da década de 1880. Natural do Vale do Cariri, no Ceará, Cícero ordenou-se padre e voltou para sua terra no início da década de 1870. Seu trabalho, além dos deveres paroquiais rotineiros, expandiu-se, incluindo a atividade missionária de cuidar dos famintos e desempregados que atravessavam o sertão brasileiro no início da seca de 1877-79. No princípio da década de 1890, o trabalho de Cícero proliferara, porém a verdadeira expansão de sua influência teve lugar depois do incidente do suposto milagre de Juazeiro. A atenção do país foi despertada pela espantosa notícia de hóstias que se transformaram em sangue na boca de uma beata chamada Maria. Exames médicos e investigações teológicas sobre a controvérsia resultaram na excomunhão do Padre Cícero Romão, enquanto que sua fama de fazedor de milagre espalhou-se entre os habitantes do sertão. A população de sua comunidade aumentou, provendo mão-de-obra barata para a economia local, e em breve Cícero tornou-se um bem-sucedido empresário de diversos investimentos no Vale do Cariri. Os coronéis locais uniram-se ao Padre Cícero, porque ele atraía trabalho e fornecia um mercado para as principais atividades econômicas. Em 1911, o padre liderou eficientemente o Pacto dos Coronéis, um acordo tribal dos oligarcas do sul do Ceará, ligando-os formalmente à engrenagem Acioli como aliados políticos indispensáveis. Desde então, até sua morte em 1934, o patriarca de Juazeiro reinou como um dos poucos coronéis realmente poderosos do sertão nordestino.
... (p.58)
Padre Cícero, o maior líder religioso do catolicismo popular, era reconhecidamente um coronel de coronéis.
... (p.72)
A região oeste do Vale do São Francisco, extensa e pouco povoada, era a terra dos coronéis neofeudais. Em Barreiras, Antônio Balbino de Carvalho, Abílio Wolney e Francisco e Geraldo Rocha formavam a elite governante. Durante a Primeira República, a política de Rio Preto foi dominada por Abílio Rodrigues de Araújo, em Santana de Brejos por Francisco Joaquim Flores, em Santa Maria da Vitória por Clemente Araújo de Castro, em Correntina por Félix Joaquim de Araújo, e em Bom Jesus da Lapa pelos dois irmãos Moacir, Francisco e Antônio. Ainda mais para cima do rio, Carinhanha, localizada na margem esquerda do São Francisco, no limite entre Bahia e Minas, devia sua importância à sua localização estratégica, desenvolvendo-se como armazém comercial de diversas regiões da Bahia, de Goiás e de Minas. Nessa cidade não surgiu nenhuma família que constituísse a elite governante. A política de Carinhanha era única, no sentido de que tanto a Bahia quanto Minas, os estados mais fortes entre os três, conseguiam exercer influência sobre as famílias locais. Os Duque e os Alkmin formavam as principais oligarquias locais, com ligações tanto na Bahia quanto em Minas.
(p.112)
Em março de 1912, quando J.J. Seabra tomou posse como Governador da Bahia, a política baiana era uma mistura do forte personalismo dos coronéis e das frágeis instituições dos partidos políticos liquidados e em início
(p.123)
O Governador Seabra encontrou uma solução parcial para o monopólio de poder dos clãs, no interior, na centralização das ajudas e na seleção dos funcionários públicos dos municípios. Pela Constituição de 1891, cada município da Bahia podia eleger seu intendente (prefeito)
(...) A Lei da Reforma de 11 de agosto de 1915 foi decretada para atender às necessidades de J.J.Seabra e do PRD (Partido Republicano Democrático), fazendo com que a seleção dos intendentes passasse a ser por nomeação. Uma vez no cargo, o intendente permaneceria durante quatro anos, dependendo do governador. Em 1915 havia, no estado, 141 cargos de intendente para serem preenchidos.
(p.124) Durante os quatro últimos meses de governo (dezembro de 1915 – março de 1916), Seabra aproveitou todas as vantagens da lei da reforma, nomeando 135 novos intendentes (de um total de 141)
(...) Em julho de 1915 foram mencionados nomes de prováveis sucessores de Seabra: o senador da república Ruy Barbosa e os deputados federais Antônio Moniz e José Joaquim Palma. Os adeptos de Seabra constituíam a maioria, e os seguidores de Ruy e a ala Mangabeira (do antigo PRB) formavam duas minorias... Ruy, senador pelo PRD, nunca aceitou Seabra como líder. Mangabeira, apesar de apoiar Seabra, estava em dificuldades com os Moniz (Antônio e Moniz Sodré). Os chefes do PRD, reunidos no Rio, estavam num impasse entre a escolha de Ruy, Antônio Moniz e José Joaquim Palma. Em Salvador, o governador Seabra pediu que os membros do PRD garantissem dar apoio ao sucessor que ele escolhesse; em troca, prometeu nomear os intendentes indicados pelos líderes políticos locais... Quando Seabra nomeou Antônio Moniz como seu sucessor e recebeu o apoio da convenção, o relutante Otávio Mangabeira aceitou, mas Ruy não o fez. Contrariamente à impressão criada pelos biógrafos de Ruy, o senador baiano era, segundo alguns contemporâneos, um homem egoísta, vingativo e não imaculadamente honesto. Com sua cabeça enorme Ruy possuía prestígio nacional e internacional como eminente jurista; mas com seu ego igualmente avantajado, Ruy nunca foi aceito pelos políticos inferiores da máquina política... A Lei da Reforma de agosto de 1915 assegurou a eleição de Antônio Moniz. Um poder ainda maior sobre o Estado foi garantido pela expansão da distribuição de favores locais: coletores de impostos estaduais e federais, funcionários dos correios e professores, todos esses lugares foram entregues a protegidos dos coronéis dominantes... Moniz tomou posse em abril de 1916. Teve seu mandato (p.130) marcado por abuso de poder.
(p.134)
O ano de 1919 foi um ano cheio de acontecimentos na Bahia. A eleição presidencial de abril dividiu mais uma vez o estado, irreparavelmente, acendendo o ódio político entre os adeptos e os opositores de Ruy Barbosa. (p.135) O presidente eleito Rodrigues Alves, de São Paulo, morreu de gripe em janeiro de 1919, sem ter assumido o cargo para o qual fora eleito pela segunda vez. O país inteiro foi levado a uma séria de conchavos, obviamente, os governadores dos estados rivais – São Paulo, Minas Gerais e o Rio Grande do Sul – e, evidentemente, havia Ruy Barbosa.
(p.136)
Inicialmente a candidatura de Ruy Barbosa para presidente pareceu muito promissora... No início de fevereiro de 1919, os grandes estados de São Paulo, Minas, Rio Grande do Sul, Bahia e Pernambuco tinham se decidido a favor de Epitácio Pessoa. As negociações foram tão secretas que somente após o acordo interestadual o candidato foi informado de sua nomeação. Grato, Epitácio aceitou. Na Bahia o PRD aderiu abertamente a Epitácio, negando apoio a Ruy Barbosa pela terceira fez em dez anos.
(p.137)
Na véspera da eleição Ruy Barbosa voltou para sua terra. Corriam boatos de que não conseguiria sequer os votos de seu estado, como conseguira em 1910. Na Bahia, Seabra, no entanto, não conseguiu obter para Epitácio o prometido: três quartos da votação do estado. A contagem final deu a Epitácio 28.811 votos, contra 16.547 para Ruy. A retaliação do PRD contra os apoiadores de Ruy começou assim que a euforia da vitória eleitoral amainou.
(p.138)
Desde 1916, muito antes da eleição, os confrontos armados entre a polícia estadual, que frequentemente servia de executora da ira política do governador, e os coronéis do interior, vinham aumentando. A Força Pública, na ocasião um exército de ralé, composta de homens mal pagos e indisciplinados, não tinha prestígio por não se comportar de maneira condizente com a condição de oficiais. Para compensar seu pagamento atrasado, a polícia frequentemente saqueava as lojas e as fazendas dos coronéis anti-Moniz, atos para os quais o Estado discretamente fechava os olhos. Os verdadeiros focos eram, no entanto, Carinhanha (a região limítrofe entre a Bahia e Minas) e as Lavras Diamantinas. Em Carinhanha, o Coronel João Duque, que apoiara a candidatura de Ruy Barbosa, fora a força dominante desde 1910. A Força Pública estadual da Bahia, provavelmente por ordem do governador escolheu Duque para alvo. Duque era um coronel interestadual ligado a interesses pecuários em Minas, e consequentemente aliado a alguns dos principais clãs políticos daquele estado. Em diversas ocasiões a polícia estadual de Minas atravessou a fronteira para entrar nos combates.
... Os políticos da oposição logo denunciaram que o coronel de Carinhanha estava sendo perseguido por Moniz, e estavam ávidos por transformá-lo em um símbolo da perseguição policial (Pang, “The Politics of Coronelismo”, pp. 171-72).
Antônio Moniz, afilhado político do governador J.J. Seabra, tomou posse em abril de 1916 como governador do Estado, porém fez um governo que propiciou muitas revoltas coronelistas no Sertão. O PRD de Seabra atribuía a Ruy Barbosa a responsabilidade por muita das agitações no sertão.
(p.143) em 18 de novembro de 1919 a oposição se reúne com integrantes da classe comercial, bacharéis e os coronéis anti-PRD e definiram seu candidato a governo, o juiz federal Paulo Martins Fontes, indicação esta rapidamente aceita por Ruy. No dia 23 de novembro, cinco semanas antes das eleições, J.J.Seabra aceitou a indicação para disputar o governo pelo enfraquecido partido governante. (p.145) Quando a eleição terminou, evidentemente ambos os lados reivindicaram a vitória para seus candidatos.
(p.146) Em fevereiro de 1920 os resultados das eleições ainda tinham que ser verificados pelo legislativo, que estivera em recesso e não mostrava interesse em convocar sessões extraordinárias. O estado da Bahia já estava em guerra civil há três meses e os deputados e senadores de bom senso político desejavam esperar um pouco mais. Falava-se em invasão de Salvador pelos rebeldes; os políticos baianos lembravam-se muito bem do que acontecera ao governo de Franco Rabelo, no Ceará, como resultado da invasão dos jagunços do Padre Cícero em 1914. Na Bahia, a Força Pública tinha cerca de 2.600 homens, a maioria mal armada. O comandante da guarnição federal da Bahia calculou que a força de combate real seria de 1.500 homens. O rebelde Coronel Horácio de Matos, de Lavras Diamantinas, sozinho, contava, ao que diziam, com mais de 2.600 homens armados. Castelo Branco e seus aliados comandavam pelo menos 1.500 homens. Além disso, os coronéis do Vale podiam contar com uma substancial ajuda do Piauí, Goiás, Pernambuco e Minas se o conflito planejado se estendesse até salvador.
(p.147/148)
Historicamente, a intervenção federal era o último recurso do estado quando era incapaz de solucionar conflitos políticos e civis. Politicamente, a intervenção federal tornou-se um instrumento cômodo para o presidente usar no apoio a seus adeptos e no castigo de seus inimigos. Em 1914, o Presidente Hermes deixou de intervir formalmente no Ceará, onde os exércitos particulares do Padre Cícero atacaram o governo constitucionalmente eleito de Franco Rabelo, que estava à beira do colapso. O exército em Fortaleza recebeu ordens para se manter fora da guerra civil, deixando livres os jagunços de Cícero. O governo de Rabelo caiu e a oligarquia tribal dos Acioli voltou ao poder.
(p.149/150)
Por volta do fim da primeira semana de março, os coronéis do interior baiano aceitaram as condições federais dos tratados de paz e o legislativo estadual reuniu-se para proclamar José Joaquim Seabra como governador. Pelas condições dos tratados, o presidente Epitácio Pessoa criara na Bahia, na realidade, coronéis com estados independentes. Os coronéis foram exonerados de qualquer acusação de malfeitores, eram imunes a processos estaduais, detinham extensos poderes políticos e assuntos de favores políticos estaduais e federais e tinham licença para manobrar eleições. No caso do Coronel Horácio de Matos, de Lavras Diamantinas, o governo federal permitiu especificamente que o senhor de Lavras elegesse (isto é, nomeasse) um deputado e um senador estadual para representar seus interesses pessoais e regionais. Os coronéis podiam manter seus exércitos, estabelecendo-se assim um novo equilíbrio de poder entre a força pública e os jagunços coronelistas do sertão, o que enfraqueceu o papel do governo estadual. Consequentemente, o chefe de um estado coronelista tornou-se um político de âmbito nacional, um aliado indispensável para o Presidente da República. Depois de Epitácio Pessoa, os Presidentes da República cortejavam ostensivamente os coronéis da Bahia, frequentemente passando por cima dos governadores do estado.
(p.152)
Quando José Joaquim Seabra assumiu o governo em abril de 1920, o coronelismo baiano acabara de entrar em sua idade áurea. O governador, sem esquecer os termos dos tratados federais, começou a negociar suas próprias propostas de paz. Horácio de Matos, senhor incontestado e “governador geral” de fato de Lavras Diamantinas, foi nomeado delegado regional de polícia, posto geralmente dado a um bacharel. O aspecto fora do comum, na nomeação de Horácio, foi o de seu amplo poder para dirigir doze municípios (a mesma jurisdição garantida no tratado de 1920 e mais tarde aumentada para catorze), apesar de o delegado ocupar-se de uma comarca. Nessa época a comarca de Lavras Diamantina era constituída por dois municípios, Lençóis e Campestre. Horácio tinha o monopólio dos favores políticos municipais, estaduais e federais em seu estado coronelista. De modo geral, o promotor público e o juiz de direito eram dois importantes agentes do governador. O delegado de polícia, o chefe da violência institucionalizada, era subordinado a esses homens. Frequentemente trabalhavam em equipe nas eleições, lidando com a oposição política ao governador e distribuindo favores aos mercenários do partido. Em muitas regiões nas quais não havia um coronel forte, o juiz ou o promotor agiam como dirigentes de fato. No caso de Horácio, seu título era mais baixo, mas na realidade era ele quem escolhia juízes e promotores para os catorze municípios que constituíam a oligarquia tribal de senhores aliados a Horácio. Para complementar essa honra, o governador nomeou Horácio diretor regional do PRD. Em diversos lugares do interior, Seabra fez concessões similares aos coronéis do tratado. (p.154) Seabra também fez um expurgo nos incompetentes quadros do PRD e entre os inimigos dos coronéis do tratado.
Em abril de 1920, o Coronel João Duque, de Carinhanha, fora desafiado e derrubado por um inimigo que conseguiu o apoio do comandante do Exército na Bahia.
(p.156)
Com a nova Lei de 1920, os intendentes passaram a ser eleitos para um mandato de dois anos e podiam ocupar o cargo por duas vezes consecutivas. Os intendentes nomeados pelo ex-governador Moniz, em 1919, foram rapidamente afastados por Seabra antes que a nova lei começasse a vigorar. A primeira eleição sob a nova lei teve lugar em agosto de 1920, e nessa ocasião Seabra já fizera suas escolhas para a maioria dos municípios, optandos por firmes adeptos do partido ou, no caso dos municípios controlados por forças anti-seabristas, coronéis rivais. Nesses “municípios do tratado” os coronéis nomeados federalmente eram autorizados a cuidar das eleições.
(p.157)
Tendo cimentado uma aproximação política com o sertão, o Governador Seabra passou a prestar atenção às eleições presidenciais de 1922. Já em junho daquele ano, corriam boatos de que os estados rivais de São Paulo e Minas tinham concordado com a candidatura do governador mineiro Artur Bernardes, evitando assim, uma repetição dos acontecimentos de 1919.
(p.158/159)
Apesar da precoce vantagem de Bernardes, a eleição de 1922 foi uma das mais controvertidas da História do Brasil. Uma composição equilibrada com um homem do norte era bem-vista, mas isso gerava um sério problema para a candidatura de Bernardes. Quatro nomes eram frequentemente mencionados como bons candidatos à vice-presidência: José Joaquim Seabra, da Bahia, José Bezerra, de Pernambuco, Urbano Santos, do Maranhão, e Lauro Sodré, do Pará. Os três primeiros eram governadores de seus respectivos estados, e o quatro era Senador da República.
(p.159)
A candidatura Urbano Santos pretendia harmonizar o setor nortista, mas teve o efeito oposto. O Governador Seabra protestou contra a escolha e iniciou um movimento de oposição. Com o apoio tácito do Governador Bezerra, de Pernambuco, Seabra convidou Nilo Peçanha, ex-Presidente da República e o homem-forte do estado do Rio de Janeiro, para candidato à presidência. Peçanha aceitou e, junto com Seabra, fundou a Reação Republicana, aliança que foi apoiada por Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
Peçanha e Seabra foram escolhidos como candidatos à presidência e à vice-presidência pelos “Quatro Aliados”. A campanha foi mal financiada e faltava coordenação entre os grupos da oposição em diversos estados. Apesar dos esforços, os candidatos da oposição perderam. Em 09 de junho de 1922, o Congresso Federal proclamou a vitória de Bernardes.
(p.163)
A súbita morte do Vice-Presidente eleito Urbano Santos, no início de maio, a caminho do Rio, acrescentou mais combustível à já explosiva situação política. Seabra imediatamente exigiu a vice-presidência, alegando que fora o segundo mais votado. O juiz federal apoiou Seabra, para espanto da ala Bernardes, porém o STF contrariou a decisão a tempo de escolher o sucessor de Urbano. Bernardes foi buscar em Pernambuco seu vice-presidente, Estácio Coimbra, o líder dos coligados e aliado político de Epitácio Pessoa. Em agosto, Coimbra foi eleito sem oposição. O triste e desanimado chefe baiano encarou a ascensão de Coimbra à vice-presidência como uma ofensa pessoal e uma vingança de Bernardes.
Os esforços dos quadros partidário nos municípios e nas capitais dos distritos foram reprimidos numa época muito delicada pela luta de poder entre os altos escalões do PRD: a eleição municipal de fins de outubro de 1921 para o mandato de 1922-24. Os grupos da oposição baiana, bem conscientes da luta interna no PRD, decidiram atacar.
Os desmoralizados quadros do PRD não conseguiram bons resultados na eleição, principalmente nos municípios litorâneos.
(p.164)
A oposição venceu as eleições em diversas cidades estratégicas da Bahia. O Coronel João Duque voltou triunfantemente ao poder em Carinhanha, derrotando o coronel local, do PRD.
Artur Bernardes assumiu a presidência da república em novembro de 1922. Bernardes tinha a fama de lembrar-se de seus amigos e jamais se esquecer dos seus inimigos. Estava começando a revelar seus planos de vingança.
(p.165)
Com o apoio do presidente Bernardes, os políticos baianos da oposição começaram a negociar uma aliança. Em janeiro de 1923, fundaram a Concentração Republicana da Bahia (CRB). No interior, Geraldo Rocha, o principal detentor de poder dos municípios do sertão e conselheiro de muitos coronéis da região do São Francisco, abandonou o PRD e aderiu à CRB, levando consigo muitos chefes sertanejos do Vale e de Lavras, entre eles Horácio de Matos, Franklin Lins e o Coronel João Duque.
(p.167)
A fim de neutralizar o impacto da nova política dos presidentes. Seabra começou a pensar num acordo com a CRB. Em janeiro e fevereiro de 1923, o governador tentou persuadir o diretório do PRD a aceitar os fatos.
(p.168)
O próprio Seabra iniciou um acordo. Pediu a um eminente médico e historiador, Brás Hermenegildo do Amaral, que servisse de elemento de ligação entre o PRD e a CRB. Depois de árduas negociações, Brás do Amaral relatou a Seabra que haviam encontrado um candidato satisfatório para ambos os lados, Francisco Marques de Góis Calmon. A 28 de fevereiro o governador revelou oficialmente seu candidato. A julgar pelas reações iniciais, a escolha era excelente. Em 02 de março o governador informou a Ruy Barbosa, por carta, que decidira nomear Góis para sucedê-lo porque desejava “evitar uma luta política”. Nesse mesmo dia Ruy Barbosa morreu sem ter visto seu sonho se realizar. A carta que anunciava a iminente queda de Seabra não chegou a ser lida por ele (“O Imparcial, Bahia, 02/03/1923”).
(p.169)
Góis Calmon fora aluno de Seabra na Faculdade de Direito do Recife e poderia aceitar seu professor como mestre político, sem depender dos políticos da CRB. Pelo mesmo motivo, poderia ignorar o PRD de Seabra. De modo geral, o governador achava que valia a pena correr o risco. Diziam que o Presidente Bernardes aprovara o acordo e prometera permanecer neutro.
(p.172)
Medeiros Neto, um dos líderes do grupo, informou ao PRD que Góis havia prometido a Bernardes que ele “extirparia o seabrismo” quando fosse eleito governador. O governador imediatamente questionou o presidente sobre a suposta afirmação, e quando Bernardes deixou de negá-la, Seabra ficou evidentemente hesitante quanto a seu compromisso com o candidato. Medeiros Neto e seu grupo apresentaram Francisco Prisco de Sousa Paraíso como seu candidato e pediram que o PRD o apoiasse, porém apenas a ala Moniz do PRD aderiu.
Em 27 de novembro, alguns dias depois, Seabra anunciou que também ele retirava seu apoio a Góis Calmon, porém foi abandonado por seus seguidores.
(p.173)
Apesar da crescente popularidade de Góis, o PRD não ia ceder tão facilmente. O partido seabrista escolheu um candidato de última hora, plenamente consciente da inutilidade do gesto. Arlindo Leôni, o candidato a senador derrotado e fiel seabrista, concorreria com Góis Calmon. Leôni foi imediatamente apelidado de “gato morto”, de bode expiatório e foi considerado um frágil sustentáculo para o cambaleante PRD.
O presidente Bernardes ordenou ao Exército na Bahia que patrulhasse a capital e enviou uma força naval para apoiar as forças de terra, tudo isso, evidentemente, para manter certo ambiente para a próxima eleição. Pela segunda vez em dois anos, Bernardes também pediu a Horácio de Matos e a outros chefes do sertão que elegessem Góis para governador da Bahia. A 29 de dezembro de 1923 a Bahia testemunharia o fim do partido oficial pela segunda vez desde 1911, vítima da política dos presidentes.
(p.178)
Quando Francisco Marques de Góis Calmon tornou-se o penúltimo governador eleito da Bahia, em 29 de março de 1924, os Calmon surgiram como uma dinastia política durável no Brasil.
(p.182)
Em Carinhanha, João Duque permaneceu amigo dos Calmon e foi intendente até 1928 (Orlando M. Carvalho, O rio da unidade nacional: o São Francisco, pp)
(p.182)
O maior desafio que os Calmon enfrentaram em sua ascensão à supremacia política veio dos coronéis de Lavras. Entre dezembro de 1924 e fevereiro de 1925, os exércitos particulares do estado coronelista de Lavras confrontaram-se com as forças unidas da Força Pública da Bahia e dos coronéis anti-horacistas. Nessa guerra, o papel do Presidente da República foi crucial, como árbitro da restauração da paz e o estabelecimento da “entente cordiale” entre o sertão e Salvador. Na Bahia, a guerra entre os Calmon e Horácio de Matos foi o primeiro teste da viabilidade da política dos presidentes. O resultado da chamada Batalha de Lençóis ilustra perfeitamente o funcionamento da relação entre o coronel e o presidente, por um lado, e o reduzido papel do governador nos negócios locais, pelo outro.
(p.183)
O primeiro passo para derrubar Horácio foi afastá-lo dos cargos estaduais que detinha: o senado estadual e a delegacia regional. Góis afastou sumariamente Horácio da delegacia e nomeou em seu lugar o Coronel Otávio Passos, parente de César Sá e seu chefe de guerra. Quando Horácio se opôs à sua demissão e evitou que Passos assumisse, o governador enviou uma unidade da Força Pública para reforçar sua nomeação. Cerca de 1.000 homens, um grupo formado pelos jagunços de Passos e pela Força Pública, foram armados às custas das facções Sá e Passos. O governador fez mais ainda, delegando a seu ajudante de ordens a chefia da expedição punitiva. Antecipando o ataque conjunto de Passos e da Força Pública, a população de Lençóis foi evacuada e Horácio lá se entrincheirou com seus homens. Na primeira escaramuça o comandante da Força Pública morreu e seus homens se dispersaram por todos os lados. Em fins de fevereiro de 1925 o confronto armado entre o governo de Góis Calmon e Horácio de Matos havia terminado, tendo o Estado fracassado na tentativa de colocar Passos no poder.
(p.185)
O humilhado governador, a pedido de seu irmão Miguel, nomeou uma comissão de paz chefiada pelo Secretário do Tribunal da Justiça do Estado e pelo Coronel Auto Medrado, cunhado de Horácio. Horácio impôs suas condições, como um xogum Tokugawa lidando com os emissários do imperador impotente. Ele continuaria a ser senador estadual, e o governador retirou a nomeação de Passos para delegado de política regional. Selado o acordo, a ambição de César Sá de voltar a Lençóis ficou enterrada para sempre.
(p.192)
As eleições de 1927 constituíram a primeira evidência de que o compromisso entre os Mangabeira e os Calmon, na Bahia, estava funcionando. A eleição baseada numa clientela política também dava lugar ao nepotismo. (p. 193) Foi dentro desse espírito de um novo compromisso entre as duas facções dominantes que a Bahia elegeu o primeiro governador do PRB. Vital Henrique Batista Soares era natural de Valença, uma cidade do Recôncavo, e foi o segundo advogado formado pela Faculdade de Direito da Bahia a se tornar governador (o primeiro fora Antônio Moniz).
(p.195)
No início de maio de 1927 o Presidente Washington Luís estava preparando Júlio Prestes para ser seu sucessor.
Durante o ano de 1928, o Governador Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, de Minas Gerais, foi frequentemente mencionado como sucessor de Washington Luís.
(p. 196)
Em início de junho Washington Luís deixara claro que o Governador de São Paulo Júlio Prestes seria seu sucessor. Apenas Getúlio Vargas, governador do Rio Grande do Sul, apoiou a candidatura.
(p.197)
Em julho de 1929, Antônio Carlos oferece a candidatura a Getúlio Vargas, a fim de fortalecer uma chapa de oposição. Com a aprovação do ex-Presidente Epitácio Pessoa, os estados de Minas, Rio Grande e Paraíba resolveram desafiar os candidatos apoiados pelos outros dezessete estados liderados por São Paulo e Bahia. Como era de esperar, a Convenção de setembro, no Rio, indicou Júlio Prestes, de São Paulo, e Vital Soares, da Bahia, para candidatos à Presidência e Vice-Presidência, respectivamente. Os três estados da oposição organizaram a Aliança Liberal, com o Governador Vargas, do Rio Grande, e o Governador João Pessoa, da Paraíba, candidatos à Presidência e Vice-Presidência. Assim começou a última campanha da Primeira República.
(p.198)
(As Lutas Interestaduais dos Coronéis João Duque e João Alkimin, em Carinhanha)
Aquilo que começara como uma simples disputa eleitoral municipal em Carinhanha evoluiu rapidamente para um violento confronto entre a Bahia e Minas. Em fins de 1928, quando seu segundo mandato expirou, o Coronel João Duque concorreu ilegalmente a um terceiro mandato como intendente de Carinhanha. Sendo ele próprio o presidente da Junta Eleitoral, confirmou desavergonhadamente sua própria reeleição. Enfurecido, Vital Soares (governador da Bahia) rejeitou a afirmação de Duque e concedeu o reconhecimento por parte do senado ao rival, Coronel João Alkimin (A Tarde, 5 de julho, 1929; Diário Oficial, 28 de dezembro, 1927, 1º de janeiro 1928; para detalhes ver Pang, “The Politics of Coronelismo”, pp. 280-81). Duque e seus aliados na Bahia e em Minas revidaram com violência para impedir que o vitorioso Alkimin tomasse posse. A situação atingiu seu ponto crítico quando os parentes de Alkimin, no norte de Minas, resolveram entrar na briga. Assim começou a longa luta entre Minas e Bahia.
Normalmente uma luta interestadual poderia ser controlada se os governadores o quisessem. Porém em 1929 nem Vital Soares (da Bahia) nem Antônio Carlos (de Minas) se mostravam muito desejosos de acabar com a luta. Ela servia como uma espécie de teste pré-eleitoral para determinar a força de cada um no Alto Vale do São Francisco. Além disso, Vital Soares não podia suportar o fato de Duque e seus companheiros mineiros derrotarem Alkimin, por ele escolhido, num ano de eleição. Antônio Carlos estava envolvido na luta interna de poder do PRM (Partido Republicando Mineiro) quanto à escolha de seu sucessor, e desejava ardentemente liquidar Alkimin, um conhecido adepto da facção paulista do PRM, liderada pelo Ministro da Justiça, Viana do Castelo, pelo vice-governador de Minas, Afredo Sá, e por Carvalho Brito, todos partidário de Washington Luís e da candidatura Prestes. A Comissão Executiva do PRM de Belo Horizonte viu-se num impasse terrível, deixando de indicar Bias Fortes, o nome escolhido pelo Governador Antônio Carlos; em vez disso, a Comissão ofereceu o cargo ao ex-presidente Venceslau Brás e depois a Artur Bernardes. Finalmente o PRM decidiu indicar um candidato de conciliação, Olegário Maciel, um senador de setenta e quatro anos, e Pedro Marques de Almeida, também senador porém, além disso, adepto do governador em exercício. Achava-se que Olegário não terminaria o mandato, em virtude de sua avançada idade e mau estado de saúde, e que consequentemente o Vice-Governador Pedro Marques assumiria o governo, servindo como frente para a máquina política tribal dos Andrada (governador Antônio Carlos). Essa luta pela sucessão dividiu o estado em facções, e João Duque foi um fiel soldado do campo de Antônio Carlos.
Os principais coronéis baianos do Vale do Médio São Francisco, principalmente os do grupo anti-Calmon, estavam direta e indiretamente envolvidos na luta Duque-Alkimin. Franklin, de Pilão Arcado, e Chico Leóbas, de Remanso, aos quais Vital Soares (e Góis Calmon) tinha motivos pessoais para perseguir, imediatamente tomaram o lado de Duque. Outros enviaram seus exércitos pessoais para ajudar Duque. Em novembro e dezembro de 1929 diversas cartas em termos acres foram trocadas entre Vital Soares e Antônio Carlos. Ante as ordens do Presidente Washington Luís, um representante da Procuradoria Federal da Bahia resolveu indiciar Duque, Franklin, Leóbas e outros coronéis implicados no chamado “crime de Carinhanha”. A Força Pública de Minas rapidamente retirou Duque da Bahia. Com Duque em segurança, fora do estado e imune à indiciação, o governo de Vital Soares empregou a Força Pública para punir os coronéis do Vale Médio. Assim, meses antes das eleições, provocou-se uma luta entre os coronéis e o estado, e em janeiro de 1930 os coronéis baianos não precisaram de muita persuasão para apoiar a Aliança Liberal na eleição.
(p.200)
O rompimento da “entente cordiale” entre o governo estadual e os coronéis do interior teve pouca influência na contagem de votos oficial. Segundo a apuração do governo federal, Júlio Prestes obteve 1.091.877 votos e Vital Soares 1.079.360. Os candidatos da oposição obtiveram menos de um milhão de votos. O Congresso brasileiro ratificou obedientemente a contagem oficial, proclamando formalmente a vitória dos governadores de São Paulo e da Bahia para o mandato de 1930-1934.
... O Governador Vital Soares renunciou oficialmente ao cargo em agosto e foi para a Europa. O Coronel Frederico Costa, presidente do senado estadual, tornou-se o novo governador. Num estado de espírito festivo, o governador arquivou temporariamente o plano do governo de perseguir os coronelistas responsáveis pelo “Crime de Carinhanha” e ordenou à Força Pública que suspendesse a luta contra os coronéis.
A Revolução de 1930 e os Coronéis da Bahia
(p.201)
Os preparativos para a Revolução de 1930 constituíram um dos segredos mais mal guardados da História do Brasil. Apesar do diligente trabalho de Oswaldo Aranha, do Rio Grande do Sul, a liderança da Aliança Liberal não estava convicta da exequibilidade de um golpe de estado militar. Borges de Medeiros e, até certo ponto, o candidato derrotado Getúlio Vargas não eram totalmente a favor de uma revolução. Minas Gerais acabava de sair de uma luta interna de poder face à sucessão governamental e da devastadora degola de seus deputados no Congresso, feita por Washington Luís, tornando-se, consequentemente, um aliado relutante à conspiração. O Governador João Pessoa, da Paraíba, estava em plena guerra civil entre o partido do governo e os sertanejos de Princesa, o reduto do Coronel José Pereira e seu adepto, o ex-governador João Suassuma. O Governo Washington Luís vinha ajudando secretamente os rebeldes, enquanto os outros dois aliados da Aliança Liberal davam apoio material a João Pessoa.
Só em julho de 1930, quando o Governador Pessoa foi assassinado no Recife, a Aliança Liberal encontrou um mártir e um motivo para uma nova unidade.
O primeiro contato entre a Aliança Liberal e os tenentes ocorreu em meados de 1929, e em abril de 1930, logo após a eleição, os conspiradores militares, chefiados por Juarez Távora, Siqueira Campos e João Alberto armaram os planos para um golpe... Em fins de julho, após o assassinato de João Pessoa, Juarez Távora conseguira recrutar os jovens oficiais das guarnições federais, principalmente na Bahia, Pernambuco, Paraíba e Ceará. Assim, mais uma vez, foi forjado um elo revolucionário entre os tenentes e os políticos civis, uma tênue aliança em sua luta comum para derrubar o governo de Washington Luís e evitar a vinda de Júlio Prestes.
(p.203)
... Na Bahia, como era previsto, o maior apoio à Aliança Liberal veio das fileiras dos coronéis do Vale do São Francisco. A disputa eleitoral para a intendência de Carinhanha, em 1928, e os conflitos subsequentes entre Duque e a Força Pública de Minas e entre Alkimim e a Força Pública da Bahia prepararam o caminho para uma ligação entre os coronéis anti-Calmon e os conspiradores de Minas Gerais. Lidando habilmente com os aliados de Duque, o Governador Antônio Carlos organizou uma série de encontros estratégicos entre os diretores do PRM e os coronéis baianos. Em fevereiro de 1930, Duque havia se tornado o principal recrutador de adeptos à Aliança Liberal no Vale. Um grupo de coronéis baianos liderados por Durval Marinho Paes, de Angical, visitou Antônio Carlos em Belo Horizonte; acompanhando o grupo de Angical que foi a Minas, estavam Deraldo Mendes, de Conquista, Mário Teixeira, de Caetité, e o Coronel “Rabelo” de Lapa, todos unidos aos conspiradores mineiros. Em março, Franklin Lins, de Pilão Arcado, estava nas mãos do PRM e pediu a Minas que enviasse armas e pelo menos 30.000 cartuchos de munição. Em junho o PRM nomeou Franklin chefe do recrutamento do Vale Médio e escolheu Mário Brant, Odilon Braga e o Tenente Djalma Dutra para serem os principais organizadores da conspiração revolucionária na Bahia. Para coordenar as comunicações entre o PRM e Franklin, o Governador Antônio Carlos nomeou o Coronel Herculano Leite, da Força Pública de Minas, como oficial de ligação. Com Franklin no norte e Duque no sul, todo o Vale passou para o lado revolucionário bem antes de outubro. Sua estratégia consistia em enviar Franklin e seu exército para Salvador, a fim de tomar o governo do estado, enquanto Duque desceria lentamente o rio para acabar com os focos de resistência de coronéis recalcitrantes.
(p.204/205)
... Lindolfo Color, deputado federal gaúcho, já conseguira o apoio dos principais oficiais do Exército e da Marinha, inclusive do General Tasso Fragoso, chefe do Estado-Maior do Exército, e do general Malan d’Angrogne, que se tornou o primeiro chefe do Estado-Maior de Vargas depois da revolução. O compromisso dos oficiais de marinha era mais fraco. Minas Gerais poderia mobilizar 10.000 homens, se os quatro batalhões do Exército e da Força Pública continuassem a aderir à revolução. Também poder-se-ia contar com o Exército em Mato Grosso. O Rio Grande do Sul, sozinho, poderia mobilizar 60.000 homens, porém Aranha acentuou enfaticamente que “a revolução só será fácil no resto do País com o (primeiro) sucesso do golpe em Porto Alegre”. Em resumo, o que os conspiradores da Aliança Liberal haviam conseguido era uma série de adesões mornas que podiam até deixar de existir se o Rio Grande do Sul não garantisse a vitória dentro das primeiras quarenta e oito horas. É possível que os conspiradores coronelistas baianos estivessem incluídos nos “10.000 homens” de Minas, porém é mais provável que os líderes gaúchos não estivessem a par do envolvimento baiano... Só uma rápida vitória militar no Rio Grande teria um efeito de bola de neve nos estados relutantes, e foi exatamente isso o que aconteceu. O governo de Washington Luís não caiu devido à sua derrota no norte, mas sim devido à sua incapacidade de conter a revolta no centro-sul. A deserção dos chefes do Exército e da Marinha, no momento crucial, foi um golpe fatal para a Primeira República.
A Defesa Legalista na Bahia
(p.207)
A mobilização dos coronéis baianos em favor do governo de Washington Luís foi imediata. A 4 de outubro, Geraldo Rocha, em nome de Júlio Prestes e provavelmente do presidente também, enviou o seguinte telegrama ao Coronel Horácio de Matos: “Mais uma vez você e o serviço de seus bravos amigos estão destinados a salvar a ordem e a República. Estado de Minas em mãos dos revoltosos e o amigo Presidente Júlio Prestes, por nosso intermédio, deseja saber (1) se pode contar com seu apoio, (2) quantos homens pode mobilizar, (3) quando você pode entrar no território de Minas – tudo depende de oferecimento de sua ação, (4) de que recursos precisa? Geraldo Rocha”. Horácio aceitou a incumbência sem restrições.
(p.209)
O Compromisso de Horácio com o governo de Washington Luís era de conseguir um total de seis batalhões, ou 3.000 homens, até o final de outubro... Horácio queixou-se a Washington Luís sobre o problema do transporte, mas de modo geral parecia otimista quanto aos preparativos de guerra. (p.210) Horácio foi prejudicado por problemas secundário em seu esforço para organizar um exército para o governo. Uma luta política em Paramirim, um dos municípios de Lavras, virou os coronéis locais uns contra os outros, atrapalhando os esforços de Horácio para mobilizar homens naquela região. O Coronel Miranda explicou que não poderia recrutar homens, pois estava preocupado com o progresso da guerra do Vale do São Francisco, onde Duque e os revolucionários pareciam estar vencendo em toda a linha. Outros coronéis fizeram exigências impossíveis para a mobilização.
O Coronel Manuel Alcântara, ex-deputado estadual de Horácio (1920-24), supunha que seu antigo líder estivesse trabalhando para os dois lados. Um coronel que fez isso foi Franklin Lins, de Pilão Arcado, com um batalhão de 630 homens. (p.211) Estaria Franklin trabalhando para os dois lados? Provavelmente que sim. Não havia dúvidas de que ele fora um dos principais adeptos baianos dos candidatos da Aliança Liberal, em março de 1930; fora recrutado pelos conspiradores revolucionários de Minas muito antes de outubro de 1930. A estratégia consistia em Franklin atacar Salvador; quando a capital estivesse nas mãos da unidade avançada comandada por Franklin, o PRM tomaria a capital do coronel baiano. No entanto, em Alagoinhas suas forças não entraram em luta com o exército legalista do General Santa Cruz. A estratégia de Franklin oferecia duas vantagens: se os revolucionários vencessem, ele reivindicaria ocupação militar de Alagoinha, como na realidade fez, mais tarde; se a revolução fracassasse, o fato de ele não atacar Santa Cruz provaria que estava do lado legalista. No entanto, quando a revolução terminou, o coronel foi preso como simpatizante de Washington Luís, e só a intervenção política de revolucionários do PRM como Afonso Pena Júnior, Mário Brant e outros, que testemunharam a favor da absoluta lealdade do coronel à causa Aliança Liberal, livrou-o de quaisquer acusações anti-revolucionárias.
(p.211-217)
Os esforços de Horácio para reforçar o governo de Washington Luís na Bahia foram prejudicados pelos relatórios contraditórios sobre o progresso da revolução e pelo sucesso militar de Duque na fronteira de Minas com Bahia. A 11 de outubro, o Coronel Mozart David, intendente de Caetité (a facção Mário Teixeira daquele município passara para o lado do PRM antes de outubro), preveniu a Horácio sobre a possível invasão da Bahia por Duque e a Força Pública de Minas, e aconselhou o senhor de Lavras a começar pela invasão de Minas. Nessa ocasião, o comando de Santa Cruz se estabelecera em Alagoinhas e, contra a opinião de Horácio, o primeiro grupo de voluntários de Lavras foi enviado para lá.
Como predissera o Coronel David, Duque e um contingente da Força Pública de Minas atacaram Carinhanha uma semana depois. Provavelmente Duque estivera na fronteira de Minas depois que a revolução explodiu, porém foi obrigado a esperar até a rendição final das tropas federais em Minas. Isso aconteceu no dia 15. Provavelmente ele também foi informado da rendição, no dia 16, e dois dias depois ele e seus aliados mineiros estavam em Carinhanha. Após 10 horas de luta entre Duque e João Alkimin, a cidade caiu nas mãos das tropas mineiras aliadas a Duque. No mesmo dia, Mário Brant, um dos organizadores da revolução na Bahia, relatou a Oswaldo Aranha que Carinhanha caíra nas mãos de Duque, acrescentando que “nossas operações (na Bahia) vão indo bem, já tendo cumprido os objetivos do Estado–Maior. Por incrível que pareça, no dia 18 Pedro Lago informou a Horácio que o exército do governo estava ganhando em Minas Gerais (três dias antes o regimento federal se rendera), confundindo ainda mais Horácio e seus coronéis em Lavras.
Entre 18 e 24 de outubro, Horácio poderia ter mudado o rumo da Revolução de 1930, se tivesse sido autorizado a atacar Minas Gerais. Ele tinha duas opções: continuar obedecendo às ordens de comando de Santa Cruz em Alagoinhas (porém, a julgar pelos relatórios telegráficos de vários políticos baianos, o serviço de informações militares de Salvador não estava bem atualizado), e/ou abrir uma frente lateral a oeste de Lavras Diamantinas, em Xique-Xique, para impedir o avanço de Duque. Um relatório confirmava que Franklin travara sua primeira luta contra o exército revolucionário em Juazeiro, sugerindo que o exército de Távora, de Pernambuco, poderia ter planejado um encontro com Duque em Juazeiro para atacarem Salvador juntos. Horácio chegou a essa conclusão por si, e sua análise demonstrou estar correta. Porém sua estratégia não chegou a ser testada devido à má coordenação entre Rio, Bahia e Lavras, à falta de tempo e de dinheiro e à relutância dos sertanejos em se envolverem.
A 22 de outubro Santa Cruz ainda estava à espera de reforços do Rio. Os exércitos voluntários de Horácio e de Franklin haviam chegado a Alagoinhas alguns dias antes, e no dia 22 a divisão avançada de Juraci Magalhães entrou na Bahia. No dia seguinte, a divisão de Mamede atravessou o rio São Francisco, vindo de Petrolina, em Pernambuco, para Juazeiro, na Bahia. Também nesse dia um batalhão de voluntários organizado pelo Deputado federal Gileno Amado, em Itabuna, partiu da terra do cacau para Alagoinhas.
As forças legalistas dos coronéis da Bahia estavam prontas para encontrar o exército revolucionário, para o que desse e viesse, no dia 22 de outubro. Os jornais mencionam uma ligeira luta. No dia seguinte houve o primeiro confronto armado mais sério. Enquanto as forças oponentes se moviam, os chefes do Exército e da Marinha, no Rio forçaram o Presidente Washington Luís a renunciar. No dia 24 de outubro, Francisco Rocha enviou a Horácio uma desoladora mensagem: “No Rio a Revolução vitória / Junta Militar proclamou / Generais Tasso Fragoso, Mena Barreto e Fernando Borba / Abraços / Tudo em calma e em ordem”. No dia 25, o Major Franklin de Queiroz, primo de Horácio e comandante do Batalhão de Lavras Diamantinas, proclamou sua lealdade aos revolucionários na 6ª Região Militar de Salvador e preparou-se para voltar para Lençóis. Assim, as tentativas militares de Horácio de Matos foram vãs.
A 1º de novembro, o Coronel Frederico Costa, governador, passou o governo do estado para o comandante do exército federal (agora revolucionário). Juarez Távora e Juraci Magalhães, agora ambos “generais” e os supremos comandantes dos exércitos revolucionários do norte, indicaram o Coronel Ataliba Jacinto Osório, comandante da região militar, como governador provisório da Bahia. Dentre os quatro principais oficiais das forças revolucionárias da Bahia, nenhum proveio dos conspiradores iniciais. O Tenente Sousa e Melo, recuperando-se de uma perna quebrada, foi promovido a tenente-coronel e nomeado comandante substituto da Brigada Jurandir Mamede.
O Desarmamento de Horácio de Matos
O trabalho prioritário dos governos revolucionários do nordeste foi o expurgo e exílio dos adeptos de Washington Luís e o desarmamento dos coronéis.
... O primeiro alvo do desarmamento na Bahia foi Horácio de Matos e Lavras Diamantinas. Em início de novembro uma comissão de desarmamento formada por quatro homens chegou a Lençóis. Concordando prontamente com as exigências do novo regime, Horácio fez publicar em seu jornal, O Sertão, um conselho a seus seguidores no sentido de entregarem as armas e a munição. Suas ordens aos cento e vinte coronéis e subchefes eram claras: entregar as armas e não resistir. A tarefa de recolher as armas em Lavras levou pouco mais de um mês, e o Coronel Horácio de Matos pagou todas as despesas. Voltando a Salvador, o chefe da comissão elogiou Horácio por sua colaboração e deu ao coronel o crédito pelo sucesso na operação.
Cerca de duas semanas após o desarmamento, o interventor federal em Salvador ordenou a detenção de Horácio. Em fins de dezembro de 1930, os principais coronéis de Lavras e da região do São Francisco foram detidos pelo regime revolucionário: Franklin, de Pilão Arcado, Chico Leóbas, de Remanso, Abílio Wolney, de Barreiras, Marcionílio, de Maracás, e outros foram presos sob acusações não especificadas. Em janeiro de 1931 o fervor revolucionário inicial foi se acalmando na Bahia, na medida em que o governo Vargas conseguiu controlar todo o País. Um interventor civil foi designado para a Bahia e em meados de janeiro os coronéis foram soltos. Horácio de Matos foi o único a quem não se permitiu voltar ao seu reduto: recebeu ordens de permanecer em Salvador.
O assassinato do Coronel Horácio de Matos, no dia 16 de maio de 1931, foi o capítulo final da era da supremacia coronelista na política baiana. O apogeu dessa era morreu com ele, mas não o coronelismo em si. O contexto que levou à violenta morte de Horácio permanece um mistério. No dia 14 de maio, um oficial do Exército que prendera Horácio em dezembro foi morto pelos guardas do prédio da Secretaria de Justiça estadual. Alegaram que o tenente tentara assassinar o Secretário de Justiça do Estado, que assinara a ordem de liberação do coronel. Dois dias depois um policial abordou Horácio, que estava passeando com sua filha e um outro parente, e matou-o com um tiro. O senhor de Lavras estava armado com uma pistola, mas não teve tempo de reagir. Morreu na rua, nos braços de sua filha. Apesar das suspeitas, nunca se fez uma ligação entre essas duas mortes violentas. As autoridades não tentaram investigar os incidentes e alegaram um motivo um tanto inconsistente para o assassinato do coronel de cinquenta anos: oficialmente o motivo foi vingança pessoal (A Tarde, 16 de maio, 1931; entrevista com Horacina de Matos, Salvador. Não foi possível localizar o registro (criminal) da polícia sobre este caso nos arquivos da Secretaria de Segurança Pública, Salvador. A pesquisa foi feita com a total aprovação do Secretário de Estado, então deputado estadual (Horácio Júnior), e do arquivista da seção de registros criminais).
Com a morte de Horácio, a tradição de violência na política terminou; com a revolução, iniciou-se uma nova fase política.
(p.220)
Assim como aconteceu no advento da Primeira República, em 1889, os primeiros dois meses e meio depois da revolução de outubro foram caóticos. A Bahia não tinha um líder forte. O Governador Frederico Costa passou o governo para o comandante da Sexta Região Militar, que foi substituído por outro oficial e em meados de novembro, Leopoldo Amaral, um político seabrista, foi nomeado interventor. Para um estado politicamente dividido como a Bahia, Amaral não se mostrou nem um saneador competente, nem um administrador adequado. Sua decisão de soltar os coronéis do interior enfureceu os zelosos revolucionários.
(p.221)
Getúlio Vargas nomeou como interventor do Estado da Bahia, Artur Neiva, um antigo morador de São Paulo.
(p.223)
Á medida que o interventor se tornou impopular, seus erros pareceram maiores e evidentes.
(p.224) A oposição política a Neiva aumentou e em meados de agosto ele pediu demissão do cargo. A demissão causou dois problemas imediatos. Em primeiro lugar, a facção militar, principalmente os tenentes liderados por Juarez Távora e seus colegas do norte, precisavam ser satisfeita. Em agosto de 1931 nenhum político civil da Bahia podia obter apoio militar. Assim que o cargo ficou vago, os adeptos de Seabra lançaram seu antigo líder como candidato. Um chefe do interior sugeriu os nomes de Juarez Távora, Raul Alves e Moniz Sodré. O vice-rei (Juarez Távora) propôs que Vargas nomeasse um dos três candidatos militares: Jurandir Mamede, Juraci Magalhães ou Landri Sales. O favorito de Távora era o baiano Jurandir Mamede. Passando por cima dos nomes sugeridos, Vargas escolheu um tenente de vinte e seis anos, natural do Ceará, Juraci Montenegro Magalhães (Távora, Uma Vida, 2:38; Peixoto, Getúlio Vargas, p.403)
(p.225/226)
Magalhães já estava cortejando os oligarcas coronelista em sua guerra contra os Seabra e os Moniz um ano antes da fundação do Partido Social Democrático da Bahia (PSD)
O jovem interventor revelou-se um esplêndido político do ponto de vista tático e pragmático. (p.226) Juraci estava muito preocupado com a perigosa ascensão dos “novos” Seabra e Moniz, que queriam dominar pessoalmente o estado.
(p.227/228)
Aproveitando-se da confusão política do início da década de 1930, Lampião e seus sequazes aumentaram suas atividades, e Juraci Magalhães empregou com energia recursos estaduais e federais para liquidar os bandidos. Por ironia, essa campanha ficou sendo vista como um programa que ajudou os interesses tradicionais do sertão, os coronéis.
A enérgica política de Magalhães para modernizar a economia do cacau revelou-se também um benefício para sua estratégia política de obter apoio dos coronéis do sul da Bahia. Juraci demitiu o primeiro diretor do Instituto do Cacau (nomeado por Neiva), e nomeou para o cargo um eficiente agrônomo. Conseguiu empréstimos do Banco do Brasil e do governo federal para o aprimoramento da valorização da economia, importação de novos equipamentos e desenvolvimento do uso industrial do cacau. Essa política não só beneficiou o estado, assegurando maiores rendimentos, mas também ajudou os planos do interventor de obter apoio do setor cacaueiro. Politicamente Juraci era benquisto e aceito pelos oligarcas do interior da Bahia.
O primeiro contato importante entre Magalhães e os coronéis do interior como aliados ocorreu em 1932. A Revolução de São Paulo ameaçava se espalhar para outras regiões do País, e achava-se que o Coronel João Duque e outros do Vale do São Francisco estavam novamente em coalizão com os políticos de Minas, principalmente Bernardes e seus adeptos, que viam com simpatia a Revolução paulista. Quando o serviço das informações relatou a mobilização dos adeptos bernardistas na Bahia, Juraci rapidamente acionou os coronéis leais a Salvador para que impedissem a ameaça de revolta. Esse gesto, na hora precisa, esmagou Duque e seu grupo bernardista, impedindo assim uma revolta de apoio a São Paulo. O interventor relatou triunfantemente a Vargas que “nossos amigos da região do São Francisco” haviam-no ajudado a manter a Bahia fora da revolução, principalmente Carinhanha. Esse incidente fortaleceu ainda mais os lações entre Salvador e o interior.
A 09 de janeiro de 1933, os coronéis de vinte municípios do Vale do São Francisco e de Lavras reuniram-se em Juazeiro para proclamar sua lealdade ao interventor federal cearense. A Coligação Sertaneja foi organizada pela elite do coronelato do Vale: Franklin Lins, de Pilão Arcado, Abílio Wolney, de Barreiras, João Sento Sé, de Sento Sé, Aprígio Duarte Filho, de Juazeiro, Clemente Araújo de Castro, de Santa Maria da Vitória, e muitos outros.
(p.230)
A vitória do PSD na eleição de 1933 foi inebriante para a elite baiana. O PSD elegeu dezoito deputados, sobre o total de vinte e dois, para a Assembléia Constituinte, o partido de Seabra elegeu dois e o Partido da Lavoura, um. A lista de chamada dos deputados PSD baiano tinha um toque familiar, pois a maioria deles provinha das fileiras dos deputados federais e estaduais dos antigos PRD e PRP da Primeira República. Se o coronelismo atingiu seu primeiro apogeu na década de 1920, o segundo ocorreu de 1933 a 1937. Em fins de setembro, o confiante Juraci Magalhães renunciou à interventoria e fez uma bem-sucedida campanha em outubro para formar um legislativo estadual controlado pelo PSD. Como determinado pela Constituição de 1934, o legislativo estadual da Bahia elegeu seu primeiro governador depois de 1930: Juraci Magalhães.
(p.231)
O sistema de clientela política continuou, com clientes antigos e novos patrões. Os novos patrões eram Juraci Magalhães, Juarez Távora e Getúlio Vargas. A revolução não derrotou os coronéis: os coronéis venceram.
(p.232/235) – O Ocaso do Coronelismo
O significado da Revolução de 1930 não é tanto seu impacto no declínio, ou mesmo na destruição do coronelismo, mas seu papel de transformar o coronelismo oligárquico e integrá-lo na política nacional. O primeiro passo em direção a uma modernização política foi dado quanto Vargas começou a estruturar a verdadeira integração nacional de diversas forças políticas e sociais que em certa época haviam permanecido na periferia da política da Primeira República. O coronel, anteriormente altamente personalista, tornou-se um membro do partido disciplinado, senão submisso.
As transformações econômicas e sociais das décadas de 1930 e 1940 acrescentaram uma nova dimensão à modificação do coronelismo. Depois de 1945, um coronel raramente é um czar econômico ou o patriarca social de seu município. O estereótipo está desaparecendo rapidamente. Hoje em dia o coronel, ou o mais respeitado chefe político, é frequentemente um homem de nível universitário, muitas vezes um advogado ou um médico. Até 1964 ele era uma pessoa-chave de um dos diversos partidos políticos de seu município, aceitando a liderança do diretório local. Depois de 1964, os militares dissolveram os partidos e substituíram-nos por um sistema bipartidário: o partido dominante, a Aliança Renovadora Nacional - ARENA e o Movimento Democrático Brasileiro – MDB. Os coronéis do antigo PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), PSD (Partido Social Democrático), UDN (União Democrática Nacional) e outros coronéis de partidos menos importante ingressaram num dos dois partidos oficiais. Um coronel não depende mais de seus próprios recursos para proteger e expandir seu poder pessoal. Ele utiliza habilmente os recursos de seu partido e os dos governos estaduais e federal – isto é, o poder público e seus recursos – para promover seus interesses pessoais ou de classe.
O declínio, ou melhor, a modificação do coronelismo pode ser visto em mudanças que ocorreram principalmente depois de 1930, porém mais especialmente depois de 1945. Em primeiro lugar, o sistema de voto secreto diminuiu até certo ponto a intervenção dos coronéis nas eleições. Antes de 1933 apenas os estados de Minas Gerais e Ceará utilizavam o sistema de voto secreto. Até que ponto esse sistema permitia a liberdade de voto é outro assunto, mas o fato é que o voto secreto encorajou a livre escolha, minando, consequentemente, o poder pessoal dos coronéis.
Em segundo lugar, o desenvolvimento econômico – a industrialização e a urbanização – depois de 1930, mudou a ordem tradicional do País, principalmente no Nordeste, resultando em diversas formas de profundas mudanças sociais. Vítor Nunes Leal observou que o coronelismo brasileiro era fruto de uma estrutura social e econômica decadente. A dependência das massas a um só homem foi reforçada pela falta quase total de mobilidade social, principalmente no Nordeste brasileiro durante a Primeira República. Porém quando o Brasil, no governo Vargas, começou a se desenvolver aos poucos, todos os laços e lealdades tradicionais começaram a se enfraquecer. A rápida expansão de rede de estradas, para citar um exemplo de mudanças no Nordeste do Brasil, acabou com o isolamento geográfico do sertão, permitindo o fluxo de pessoas e mercadorias entre o litoral e o interior, e entre o norte e o sul. Hoje em dia, os sertanejos não dependem só dos coronéis para orientação nas eleições, nem as elites e partidos do litoral ficam confinados à política das cidades.
Em terceiro lugar, depois de 1945 o Brasil assistiu à proliferação de partidos políticos de diversas tendências ideológicas e lealdades regionais. A volta à democracia liberal depois de quinze anos do governo centralizado de Vargas encorajou o surgimento de mais de dez partidos maiores ou menores, fazendo com que os coronéis se dividissem em facções. Nenhum dos três partidos maiores – o Partido Social Democrático, o Partido Trabalhista Brasileiro e a União Democrática Nacional – conseguiu monopolizar a lealdade partidária dos antigos chefes políticos do interior.
Os políticos dos principais partidos tentaram estruturar suas bases de poder em nível municipal, atraindo para seus respectivos partidos os coronéis de alguma importância. Laços de família, ligações comerciais e amizades pessoais, mas raramente ideologias, constituíam os fatores decisivos na escolha de um coronel para membro do partido. O facciosismo se multiplicou e nesse processo a regra sagrada de poder de um só homem não conseguiu sobreviver, a não ser em pontos remotos do sertão. À medida que isso acontecia, cada município passou a ter mais de um coronel partidário. A estruturação de um grande curral eleitoral tornou-se difícil, e sem o controle dos votos o poder de monopólio do coronel passou a ser inviável. As poderosas instituições coronelistas de poder de monopólio regional, como o Pacto dos Coronéis de 1911, no Ceará, e a Coligação Sertaneja do Vale do São Francisco, na Bahia, em 1933, deixaram de existir.
Em quarto lugar, o poder em expansão dos governos estaduais e federal depois de 1945 minou progressivamente o poder do coronel. A modernização política, seguida pelo desenvolvimento econômico e pela mudança social, aumentou o papel dos governos estaduais e federal nas atividades cotidianas dos brasileiros, e o Estado simplesmente substituiu o coronel como árbitro supremo da vida do interior. A dependência do povo sujeito, para usar o termo empregado por Eric Wolf, foi atenuada ainda mais à medida que a eficiência e a legitimidade do coronel como dominador foram sendo minadas pela rivalidade partidária e pela lenta resposta aos pedidos de favores políticos. O Estado e os partidos não dependem mais do coronel para serem bem-sucedidos. Quando um coronel perdia o domínio dos favores políticos, as pessoas deixavam de se agrupar em torno dele. Seus tutelados passaram a ser seus eleitores, apenas, e esses eleitores tornaram-se cada vez mais independentes e recalcitrantes.
Em último lugar, e este aspecto é o menos importante, vem a eliminação dos coronéis pela morte. Em 1945, na Bahia, os principais coronéis da Primeira República tinham morrido – Horácio de Matos, Franklin Lins de Albuquerque e Frederico Costa. Outros se retiraram da vida política, passando o lugar para seus filhos e netos. Os filhos de Franklin foram importantes deputados estaduais e federais. Na década de 1960, um neto de um coronel de Casa Nova foi governador da Bahia e senador a partir de 1974. Pelo menos dois filhos de importantes coronéis do Vale do São Francisco foram líderes do legislativo estadual. Uma verificação da lista de deputados estaduais e federais mostra que os “coronéis” de segunda e terceira geração continuam na política, alguns até explorando os nomes e reputação de seus ilustres pais e avós.

Em suma, o coronelismo chegou ao ocaso. Não desapareceu de todo, mas parece caminhar para o fim. Em certa época a violência e os favores políticos serviam aos coronéis como meios complementares de expandirem seu poder e obterem votos. O Estado, e às vezes o governo federal, recorriam a táticas igualmente nefandas para controlar os coronéis, mas esse tempo acabou. O Estado adotou uma tática mais sofisticada para dominar o interior, principalmente o Nordeste: O desenvolvimento econômico através de instituições regidas pelo Estado, tais como a SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) e investidores privados de São Paulo e de países estrangeiros.
À medida que o desenvolvimento e a modernização aumentarem, uma nova elite social emergirá.

(p.246/247)
OS CINQUENTA CORONÉIS MAIS “ATIVOS” DA BAHIA: 1889-1937

Franklin Lins de Albuquerque (comerciante)
Francisco Leóbas de França Antunes* (criador)
Abílio Rodrigues de Araújo* (criador)
Bernardino da Silva Bahia (comerciante)
Olímpio Antônio Barbosa (criador)
Antônio Balbino de Carvalho (criador)
Manuel Alcântara de Carvalho (comerciante)
Anfilófio de Castelo Branco* (criador)
Antônio Honorato de Castro (criador)
Clemente de Araújo Castro (criador)
Ramiro Ildefonso de Araújo Castro (plantador)
Pedro Levino Catalão (plantador)
Francisco Dias Coelho (comerciante)
Militão Rodrigues Coelho (criador)
José Abraham Cohim (criador)
Frederico Augusto Rodrigues da Costa* (político)
Aprígio Duarte Filho (comerciante)
João Correia Duque* (criador)
Francisco Borges de Figueiredo Filho (criador)
Francisco Joaquim Flores (criador)
Manuel Leôncio Galrão* (padre)
Aureliano de Brito Gondim (criador)
José Kruschewsky (plantador)
Eugênio José Correia Lacerda (criador)
José Pedreira Lapa (criador)
Hermelino Marques de Leão* (padre)
Rodolfo Martins de Sousa (comerciante)
Clemente Pereira de Matos* (criador)
Horácio de Queiroz Matos* (comerciante)
Antônio Landulfo da Rocha Medrado* (criador)
Alfredo de Queirós Monteiro (comerciante)
Agostinho Fróes da Mota (comerciante)
José de Sousa Nogueira (criador)
Tranquilino José Nogueira (comerciante)
Aristides Novis (comerciante)
Manuel Duarte de Oliveira (político)
Manuel Fabrício de Oliveira (criador)
Otávio Passos (comerciante)
Antônio Pessoa da Costa e Silva* (plantador, adv.)
Carlos Pinto (comerciante, adv.)
Henrique Alves dos Reis (plantador)
Francisco Joaquim da Rocha* (adv., criador)
Domingos Adami de Sá (plantador)
César de Andrade Sá* (comerciante)
Felisberto Augusto de Sá* (criador)
João Nunes de Sento Sé* (criador)
Antônio Pereira da Silva Moacir (médico)
Marcionílio Antônio de Sousa* (plantador)
Manuel Misael da Silva Tavares (plantador)
Abílio Wolney* (criador)

Nota: Os coronéis marcados com * (asterisco) foram os mais destacados senhores políticos e donos dos partidos.

a) Muitos coronéis tinham mais de uma atividade econômica. Muitos comerciantes possuíam criações e plantações, e alguns plantadores e criadores eram advogados. Para simplificar, anotamos a profissão mais conhecida de cada um.

b) O domínio dos coronéis da Primeira República estendeu-se até 1937.